oi 💌
dia desses entrei atrasada [como de praxe] numa brincadeira de Instagram; era pra dizer 5 curiosidades sobre si mesmo. engraçadinho, mas difícil: uma pessoa ter que resumir suas infinitas esquisitices num mini cinco?
a não ser que já não reste a ela muitas coisas estranhas, o que nesses tempos birutas me parece um caso inverossímil.
pós pandemia, somos todos uns esquisitos em laboratório de esquisitação.
[eu adoro neologismos, já deve ter percebido rs]
bom, o que vinha dizendo é que entrei na brincadeira. adoro uma corrente divertida.
eu, pessoa inresumida [coisa a se trabalhar na vida e na escrita: anotado], escrevi 5+1 curiosidades [personalidades?] minhas que nasceram há muito tempo e ainda me acompanham. mas uma me escapou:
a desatadora de nós 🧶
sempre fui uma criança muito dedicada a montar e desmontar coisas - mais desmontar do que montar, mais quebrar do que consertar, minha mãe que o diga coitada 😅. nunca fui a menina das bonecas, todas passavam automaticamente pros braços calorosos da minha irmã.
o que aquecia de verdade meu coração ❤️🔥 eram jogos de quebra-cabeça e emaranhados de fios necessitando solução. sim, qualquer fio enredado era minha alegria por tardes a fio!
um grande momento do final de ano era enfim desenredar as luzinhas de natal desenterradas de uma velha caixa. as luzinhas foram meus fios originais - depois tantos outros vieram e viraram obsessão: um novelo de lã que se preencheu de nós repentinos, dá pra cá; fones de ouvido que se enrolaram como serpente, vem que eu resolvo com prazer!
esquisito, eu sei. mas ao menos útil no dia que tiveres um enredo nas mãos e eu estiver do teu lado. reza pra amanda desatadora de nós! rsrs
por que contei essa história?
é que olhando pros meus ontens e meu hoje, vi que não existe uma margem onde uma versão de mim começa e outra termina. a menina e a mulher não existem uma sem a outra. sou uma matemática de vidas na minha, somatória de fatos, subtração de excessos, divisão de contextos, multiplicação de mim mesma.
não existe uma linha que divide versões da gente, nem uma data e um horário onde uma mania nos abandonou, onde outra ocupou seu lugar. é invisível o traço que divide o exato instante quando uma esquisitice assentou-se num lugar seguro dentro de nós.
nós. nó coletivo. não é lindo que os nós dos fios usem o mesmo nome do pronome da gente?
resgatando a desatadora de nós percebi que tem muito dela na minha versão escritora. é ela que me empresta o olhar grande pro que é pequeno, a paciência pra desenredar pensamentos, colocar os nós do peito em pauta, num desenrolar de fios pela página.
talvez seja ela que me faz obcecada pelas histórias dos outros, pelos nós que somos juntos.
a memória das luzinhas natalinas desatadas me aquecem, como uma lembrança que a gente não quer deixar escapar. são luzes que me guiam nesse caminho onde caminho lento, aprendo e ainda não consigo enxergar onde vai dar.
e tu, quais versões tuas te transformaram? que manias passaram, e quais fizeram morada na tua vida? que memórias te multiplicam um pouquinho todos os dias?
obrigada por ler essa carta tão reflexiva e pessoal. me escreve! adoro a nossa troca :)
com amor, amanda 💜
P.S.
🎬 já que hoje falei em autodescoberta, vou indicar um filme francês sobre a busca por uma versão desconhecida de si mesmo. Um banho de vida é daqueles roteiros esquisitos [mas amamos esquisitices, não é mesmo?] que nos levam pela mão e logo nos ganham por inteiro. o protagonista é um homem de meia idade que numa crise existencial resolve entrar numa aula de nado sincronizado. os colegas, todos homens de meia idade na mesma situação. o resultado é um filme é MARAVILHOSO! super divertido e profundo também. tem na Netflix!
✏️ sabia que existe uma página no Instagram que só posta dedicatórias de livros? o projeto Eu te dedico surgiu na pandemia e já está com quase 30 mil seguidores, pessoas apaixonadas por palavras de amor e livros [me incluo nesse grupo💜]. vale muito a pena acompanhar e se apaixonar por cada dedicatória que, muitas vezes, parece a própria obra literária.
✏️ pra quem gosta de contos, indico o último livro que li ano passado: Seleta, de Marcelino Freire. o mestre da literatura contemporânea brasileira nos brinda com essa coletânea de seus melhores contos, todos com a narrativa já caraterística do autor. Marcelino escreve como quem canta, com sotaque e ritmo próprios. ler seus contos é como ouvir alguém declamar.
✏️ por falar no Marcelino, comecei semana passada uma oficina com ele 🥰. já na primeira semana fomos desafiados a trazer um texto de no máximo 25 linhas que apresente nosso estilo. como 25 remete à matemática dos fios e dos nós, decidi que faria um metapoema. eis como ficaram meus versos:
[se quiser, pode ler enquanto ouve minha declamação no áudio lá de cima]
verso
.
me deram 25 e contente-se
nada mais que 25 linhas pra apresentar minha
Poesia
800 toques no teclado, ou batidas se
por um acaso a palavra se exaltar
.
eis que 5 linhas já se foram e eu
nem comecei a contar a questão
de como pode um ser humano existir em 25 fios
na corda bamba do papel
vários varais onde despejamos palavras úmidas a ver quanto tempo levam a secar
.
e como faz tempo que a matemática não
vem visitar eu continuo desperdiçando numerais
mais 7 linhas usei nessa metafísica da linha e agora somei essa pra explicar
já são 9 a menos, dá pra acreditar?
.
sempre gostei de me enredar em inumeráveis fios feitos bolo de
linha unido como um só ou luzinhas dormidas do natal passado
que não se pode mais saber onde está a morte e o nascimento
e ninguém quer a cruz de ter que separar cada estrela na sua repartição
sobrava pra mim a estranha desatação
.
capaz de sim ter começado aos pés do presépio o meu
apego pelos nós sem solução
enredar, desfazer e então tomar nova forma
se tornar um grande mapa dos minutos maiores
até que se derrame como ciência exata da própria vida ali
desconfundida no chão
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