a porta 23 fechando e eu quase não vim... mas, sabe senti que precisava dedicar alguns versos a esse ano que me dedicou tanta graça tanta nuvem e algumas das lágrimas mais dolorosas da minha vida. em fases assim, a retrospectiva parece terapia : a olhadela no passado que a gente quer evitar até se dar conta de que o olhar talvez nos salve. é engraçado pensar na nossa relação com os ciclos inventados. todo fim de ano a gente faz de conta que pode contar o Tempo, cortamos o incontrolável, tentamos que caibam 12 partes na gaiola quem sabe elas cantem um pouquinho a nossa existência nonsense? acontece que o Tempo é passarinho livre nos olha do céu com certa compaixão nos observa na ilusão dos dias na sombra do que imaginamos capturar da vida. então é meia-noite, os fogos o brinde a festa os abraços as esperanças as listas de resoluções
Ele nos vê sonhar outros sonhos o ano é novo o Tempo, o mesmo e nós? essa resposta sempre está em aberto e é pra ela que aponta a contagem regressiva dos dezembros. penso que a viração do calendário é importante, sim, nem tanto pra dizer o Tempo, mas pra dizer a gente. de alguma forma nos remonta nos reorganiza. perguntamos, com que partes eu sobrei? contamos o que nos aconteceu naqueles meses os bilhetes trocados comprados perdidos os abraços que demos os que não teremos mais. o ano novo é sempre um raio-x, nosso check-up anual mapear o corpo pra saber quanto sangue fica de tudo que jorrei.
neste dezembro meu exame tá sendo especialmente desconfortável doloroso, pra ser sincera demorei inclusive a sentar pra te escrever isso voltar a te enviar essa nossa correspondência íntima. em 2023 eu vivi uma cascata de lutos que se estendeu até estas cartas cheguei a pensar que tinha sobrado muito pouco osso daquilo que tenho a dizer desde que uma das pessoas mais especiais da minha vida morreu. fazia um ano que eu havia perdido um grande amor, minha avó… fazia 2 meses que eu vivia outro luto absolutamente pesado de assimilar, o meu pai… quando essa outra pessoa, essa que se vestiu de segunda mãe que me amava e que amei intensamente, foi embora sem que isso fizesse qualquer sentido.
eu nem sabia que era possível doer assim [enquanto na outra mão um grande sonho se materializava aqui em Coimbra não sabia que era possível estar tão dilacerada [enquanto a felicidade vinha desavisada, pousava na janela, abria sorrisos ventos livros amigos novos estar partida ao meio enquanto a vida segue ter sede dos dias, mais sede de mais dias, como? de repente sim, é possível sangrar e sorrir. organizando as coisas dela, encontramos isso:
um cantinho reservado para todas as cartas que escrevi. 💔 venho pensando muito nisso… descobrindo de onde tirar inspiração pra escrever a primeira newsletter que não estará no cantinho. dói. mas aqui estou. minha querida [como me chamavas], eu queria as minhas palavras nos teus olhos de entusiasmo no teu encantamento, algumas vezes convertido em áudios longos sobre os sentimentos da carta, da vida, da gente. queria ontem o Tempo na gaiola
mas lembro que Ele voa que asa é condição de quem começa e começa e começa precisa sempre re começar que o amor é condição de quem não esquece e nunca desiste da vida.

o meu luto continua pelas pessoas que perdi pelas cartas que jamais serão lidas, mas eu sigo porque preciso entre “gargalhadas e silêncios”, como uma amiga definiu a poesia. em 2023, eu fui isso poesia tão triste quanto radiante percebi que dores extremas não impedem a felicidade é a felicidade que nos mantém em pé quando a dor corrói todo o resto.
“A melhor saída é sempre atravessar”
Robert Forst, 1914
eu fui a penumbra suave em busca da luz a ordem de jamais se perder na sombra. essa minha versão foi o que sobrou depois do jorro e é com ela que eu conto a partir de agora.

pra ti que me lê [e pra mim também] desejo : um 2024 de muitas asas um Tempo gentil o jogo das luzes a sede dos dias. um beijo enorme, feliz novo ano!
verso
me deparei com o trecho de um livro que ainda não li [mas quero], O ano do macaco, da Patti Smith. já contei aqui que eu amo e me identifico muito com a Patti…
nesse pequeno espaço de palavra ela resume tudo que cavuquei nesta carta,
a ânsia da vida, apesar da morte.
que as coisas maravilhosas nos encontrem de olhos abertos! 💜
sinto muito pelo ano de perdas, querida. em 2022, tive três "cacetadas" em um mês, foi muito triste. mas as palavras sempre ajudam a remediar. e isso você faz com maestria! um beijo e ótimo ano novo em 2024 ❤️
com que partes eu sobrei? ♥️