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bundas e cérebros em transe

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oi

dia desses vi em minha bolha do twitter um comentário que me fez colocar uma mão na cabeça, outra no quadril, e rebolar ao som de melodia triste.

era assim:

"Eu vivi pra ver a bunda mais celebrada do Brasil estar no mesmo corpo de um grande cérebro." - a pessoa [mulher] falava de Anitta.

a princípio um… elogio?

marromenos

vamos lá:

a intenção era exaltar Anitta e sua inteligência - uma observação que a essas alturas já é unânime, certo? garota do Rio no topo do mundo, única latina a conseguir o feito, etc etc. há que se ter não pouca, mas muita Inteligência.

sim, o tweet tem razão.

porém… 

na fala dos bem-intencionados tinha uma pedra

tinha uma pedra na fala dos bem-intencionados

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a pedra: VIVI PRA VER

a twitteira diz que VIVEU PRA VER

um meteoro invadir São Paulo?

a lua vermelha virar azul?

um ET pousar em seu quintal? 

não, ela viveu pra ver a combinação entre uma bunda bonita e um cérebro cheio de conexões triunfantes.

é como se desse um tapinha nas costas da mulher de sucesso enquanto rebaixa todas as outras mulheres a seus quadrados usuais.

use o corpo ou a mente, vamos.

sensual ou competente. vamos vamos, escolha sua caixinha!

sim, eu me apego aos detalhes da letra, às curvas de preconceito que ela tenta esconder. sou a campeã de problematizar palavras, admito. cavo os escombros dessas mensagens tortas porque, poxa, é a linguagem que nos salva! são as palavras que conectam ideias de um mundo novo ou nos mantém presos às visões de ontem.

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cada frase importa. cada expressão determina rumos.

cuidado ao dizer, o rio pode correr pra um lado ou outro.

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embora tão antigo, o movimento feminista ainda traz calos não cicatrizados. há ainda tanta falha, tantos passos em frente. mesmo em assuntos que já deveriam estar superados. e um deles é

a milenar classificação de mulheres pela forma como usam seus corpos. 

como lidam com sua sexualidade, como se expressam, aquilo que vestem, como resolvem sair ou chegar, qual cor de batom, de cabelo, unha, quadril, sapato, com ou sem sutiã.

que relação teriam nossas capacidades com o bailado de nossas bundas? eu mesma continuo rebolando enquanto escrevo essa carta…

no meio literário, pasme, onde o que mais importa é a obra escrita, há uma penca de histórias assim, de preconceito e julgamento sobre como uma escritora deve se parecer. é a masculinização da genialidade ditando regras sobre nós.

te pergunto

como deveria se vestir uma mulher que dá à luz palavras que jamais tinham nos encharcado antes? que nos assombram e transformam?

como ela quiser! sempre e apenas como quiser.

o corpo é uma extensão de nosso cérebro, e não opositor a ele. é através do corpo que trabalhamos, é ele que nos move através da arte, nos faz encontrar a si mesmas e ao outro. é o corpo que entrega pro mundo o que nosso cérebro costura. ele também nos dá prazer e felicidade. e nos faz dizer:

ei, eu estou aqui, sou uma mulher. e é como tal que existo nesse mundo infestado de homens brancos. meu corpo e meu cérebro vivem em transe.

vamos dançar nus [sem roupa ou julgamento]

e escrever belos poemas? 🙃

um beijo!

com amor, amanda 💜


p.s.

um especial: mulheres sensuais e brilhantes.

  • eu gostaria de fazer pole dance com a sensualidade de Camila Ferrazzano, e escrever poemas matadores como ela escreve. conheça Camila. [meu vídeo de bom dia é declamando um poema de seu Palato Duro].

  • também gostaria de ter a rebeldia de Pagu e ousadia criativa de Ana Cristina Cesar [eternas]. um dia declamo Pagu por aqui…

  • queria criar personagens fortes como faz Chimamanda Ngozi.

  • queria acertar o ponto do açúcar e da malagueta como faz a suprema Aline Bei.


verso

fui numa exposição chamada Wave na Japan House. era uma reunião de geniais ilustradores japoneses [arte que eu amo]. voltei inspirada e escrevi um haicai.

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olhos

o que o homem não vê

a calçada acolhe

e devolve às janelas.

de Mica Suga. Brincando de faz de conta, 2021.

curtiu a carta? clica aqui e espalha por aí!

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